Desde o início da semana que a decisão estava tomada. Iria assistir à missa que o Papa iria celebrar no Porto.
Não foi uma decisão fruto do acaso ou de uma súbita inspiração. Foi uma decisão pensada e reflectida, motivada por vários factores, nem todos eles determinados pela visita em si.
Em primeiro lugar, porque sempre tive alguma curiosidade em perceber o homem que existe por detrás do “Sucessor de Pedro”. Quis o acaso que estivesse em Roma na data da sua Entronização, em Maio de 2005 e, naquela altura, perceber que uma coisa era o que dizia dele e outra, bem diferente, o que ele na realidade era. Logo naquele dia percebi que as comparações com João Paulo II seriam sempre a marca do seu Pontificado. Mas também sempre estranhei o “ódio” que alguns lhe dedicavam. Pude perceber que, mesmo para os católicos, não era um homem consensual. Mas, como Papa, como seria?
Em segundo, lugar porque fui percebendo que Bento XVI é completamente diferente de João Paulo II, mas apenas no modo de ser. Naquilo que é o seu pensamento sobre o papel da Igreja no mundo, a sua adaptação aos tempos modernos, o relacionamento com a sociedade “civil”, Bento XVI é a continuação certa de João Paulo II. O que faz sentido, pois, enquanto Cardeal, Bento XVI era um dos principais conselheiros de João Paulo II. Bento XVI é, sem dúvida, um homem virado para a cultura, mais filosófico, mais estudioso, mais intimista. João Paulo II era mais extrovertido, mais aberto, mais comunicativo. Como é que Bento XVI iria ultrapassar essa barreira comunicativa?
Em terceiro lugar, porque ambos tiveram um início de pontificado difícil. João Paulo II teve de enfrentar a desconfiança de ser o primeiro Papa não italiano em muitos anos, o facto de ser oriundo de um país de leste, num mundo ainda dividido pelo muro de Berlim, um Papa de “esquerda”. Bento XVI teve contra ele o facto de ser alemão, de ser considerado um ortodoxo conservador, um Papa de “direita”. Que viria dizer?
E fiquei impressionado com o que vi e senti.
Porque, no meio da multidão, o que se sentia era muito mais do que tudo isto. Era apenas um sentimento de alegria pelo facto de um homem, que na terra sucede ao Homem que caminhou ao lado de Jesus, estar entre nós. E essa alegria sentia-se e contagiava. E as conversas, durante o longo período de espera, eram sobretudo sobre isso. E ninguém tentava encontrar uma explicação. Saboreava-se apenas o momento e nem a chuva que chegou a cair retirou ânimo.
Fui de comboio de Ermesinde até S. Bento. Iam muitos outros, com o mesmo destino que eu, mas o ambiente era calmo. O regresso foi completamente diferente. Não sei explicar porquê, mas a senhora sentada à minha frente comentou com o marido “vem tudo tão feliz e parece que não é só por fora, é também por dentro”. Impressionante.
Mas o que mais me chamou a atenção e realmente impressionou foram os silêncios. Parece impossível haver silêncios no meio daquela multidão. Mas que eles existiram e foram extraordinários, disso não tenho dúvida.
Bento XVI é um homem de reflexão e pensamento. E transmite esse sentimento de uma forma extraordinária. Convence-nos quando pede para reflectir, para pensar, para olharmos sobre nós próprios. E isso impressiona, marca de uma forma que apenas se pode sentir.
O primeiro momento de silêncio foi depois da homilia. Durante uns minutos o sussurro das orações foi calado. Os pássaros fizeram-se ouvir na Avenida dos Aliados. Os rostos baixos em introspecção. Sem palavras. Só estando lá.
O segundo momento de silêncio foi durante a Oração Eucarística, que é a parte central da eucaristia, durante a qual se consagra o pão e o vinho como corpo e sangue de Jesus. Esta parte foi toda rezada em latim mas atentamente seguida por todos, alternando o olhar entre o livro de missa e o ecrã. Apenas a voz do Papa e dos concelebrantes se fazia ouvir. E rasgava o ar e entrava em nós.
O terceiro silêncio, talvez o mais emotivo e mais demorado foi depois da comunhão. Talvez por nos termos apercebido de que estava a terminar. Os pássaros voltaram a fazer-se ouvir. As imagens que iam passando mostravam as pessoas em reflexão, de olhos fechados e um Papa de olhar sereno. Para mim foi o momento mais emocionante, ver o olhar do Papa na multidão, o rosto, que parece sempre fechado, iluminado por um sorriso durante aquele longo silêncio.
Não fui só eu que reparei nisso.
Não fui só eu que senti um frio na barriga.
Pode ser que alguém ache estranho este post, neste blog.
Pode até ser que o Papa condene este blog.
Mas não vai ser Ele a atirar a primeira pedra….