25 maio, 2006

A PORRA DAS URGÊNCIAS

Estou farto desta merda. Não há ninguém que me peça um trabalho, que não remate logo com um sonoro e incisivo “Olhe que é urgente!!!”.

Urgente???!!!! Urgente??!!!,e eu por acaso sou médico??? Nem sequer enfermeiro, quanto mais médico!!! Se demorar mais um dia, morre alguém???. Olhe lá, pagar-me o trabalho já não é urgente??. A maior parte dos meus interlocutores, já nem ouve a segunda parte da última frase. Foge a sete pés, mal presente que vem aí a palavra “pagar”.

Neste país tudo é urgente, toda a gente tem urgência. Melhor, toda a gente tem a mania de que tudo o que faz é urgente e, por isso, tem sempre urgência. Mas só acham. Acham que fica bem, que é mais fino, que dar um ar de inteligência e dinamismo pedir qualquer coisa com urgência. Se formos a uma qualquer repartição pública, podemos reparar que a maioria das pessoas pede o impresso X ou Y, com urgência. Neste caso, já não interessa se paga o dobro e só precisa do impresso para dali a dois meses. Faz sempre um ar sério, muito compenetrado e diz: “realmente, tenho muita urgência nisso”.

A maior parte das pessoas tem a firme convicção de que, depois de pedir algo com urgência, se transforma automaticamente em doutor (em casos menos exigentes, em engenheiro). Pedir com urgência, em Portugal dá equivalência, no mínimo, a uma licenciatura.

Claro que o exemplo vem de cima. Desde que tenho memória, que me lembro de ver todos os governos deste quintalzinho à beira mar plantado, a reclamarem urgência nas reformas. Não há nenhum primeiro-ministro de Portugal que não tenha dito, pelo menos 10 vezes: “É urgente proceder à reforma do sistema de ensino, da saúde, da justiça, etc etc.”. No fundo, de qualquer sistema que exista neste país, quer funcione quer não. Declarada a urgência da situação, ficamos todos mais calmos, julgamos que finalmente o assunto vai ser tratado. Mas não, o importante é declarar a urgência. É mais ou menos como se, declarada a urgência, o problema ficasse imediatamente resolvido.

“Não é preciso pensar mais nisso, declaramos o assunto urgente, não vale a pena mexer mais no assunto”. Diz o primeiro-ministro ao acessor, contratado especialmente para acenar que sim.

Na realidade, os únicos que sabem bem lidar com estas urgências parvas, são mesmo os médicos. Com eles não há pão para malucos. Se precisamos de ir às urgências de um hospital ou centro de saúde, antes de mais pagamos. Só pagando antecipadamente é que passamos a ser considerados urgentes.

Não interessa nada reclamar que estamos no meio de um ataque cardíaco fulminante. Se não pagamos, não somos um caso de urgência. Podemos esperar mais tempo que na repartição local à espera da certidão de nascimento do tetravô, mas não interessa nada para o caso. Pagamos e passamos a ser urgentes. Ponto final.

Vem isto a propósito, da irritação que me invade, sempre que me pedem uma coisa com urgência. Não há nada, naquilo que eu faço profissionalmente, que seja realmente urgente. Pode até ter prazos apertado. Mas agora urgente? Urgente, urgente mesmo, não há nada que eu faça que possa ser considerado urgente.

Então, porque é que insistem nessa palermice da urgência? Porque é que a urgência se acaba com a entrega do trabalho? Porque é que o pagamento, já deixa de ser urgente?

Noutro dia perdi um cliente porque lhe respondi ao pedido de urgência com um seco e mal-humorado: “As únicas urgências que conheço, são aos dos hospitais”.

Como não quero acabar na miséria, atendendo a que parte substancial das pessoas para quem trabalho é do género “urgente”, ou “é para ontem” ou ainda “gostava-muito-que-desse-a-máxima-prioridade-ao-assunto-porque-tenho-muita-urgência”, decidi passar a funcionar como uma urgência hospitalar: Querem urgência? Muito bem! A taxa de urgência é de X”

Pode ser que resulte. Se não ficar mais rico, pelo menos vou deixar de ouvir a palavra mais estúpida e mal utilizada que há na língua portuguesa.

É que eu gosto de trabalhar calmamente..

Dá-me …….

2 comentários:

Anónimo disse...

Olha, tens razão. :)
E mais, eu acho que a febre da urgência já acompanha o português desde a adolescência (onde é urgente ir para a praia, emagrecer, mandar sms, matraquear a playstation, comprar sapatilhas novas, ir à discoteca, dar uma queca, trocar uns cuspes, etc). Tudo é urgente, menos estudar, que isso-faz-se-uns-copianços-e-não-há-de-ser-nada: "assim com'assim se chegar à reunião com quatro negas, os profs descem para três e passo na mesma, que eles não estão para preencher papelada de retenções".

O mal é que a urgência é atávica para os fac-totuns, os yes-man e o lambe-botismo generalizado que, como se sabe, campeiam por todo o lado.
E depois há os artistas da urgência. São aqueles que afivelam um ar aflito, com olhar esgazeado, narinas abre-que-fecham e delirium tremens nas mãos. Solicitam, pedincham ou choramingam como se não houvesse amanhã. Portentosas actuações, dignas da palma de Cannes. Eu, por mim, enfiava-lhes com um Oscar. A decência impede-me de dizer onde.

MrTBear disse...

A minha inocência impede-me de pensar onde.
Mas é mesmo verdade :-)